Família unida na esperança de decifrar o mal de Alzheimer
Para a família Betancur, aquilo era um tipo de peregrinação, um ato de fé para com a ciência.
Em setembro, quatro membros da família viajaram de Medellín, na Colômbia, ao Instituto de Alzheimer Banner, em Phoenix, no Arizona. Com eles estavam seis parentes distantes. Existem muitos outros parentes na cidade de onde eles vieram, aproximadamente 5 mil – a maior família estendida cujos membros possuem uma forma hereditária do mal de Alzheimer.
''Não há palavras para descrever o que é ver as pessoas que amamos decaírem ao ponto de não ser mais possível reconhecê-las’', afirmou Blanca Nelly Betancur, 43 anos. Até agora, a mãe e três irmãos dela herdaram a doença.''Até vê-los como cadáveres’', afirma.
Os pesquisadores do instituto e um neurologista colombiano estão estudando os membros da família e planejando um teste clínico para determinar a possibilidade de prevenir a doença anos antes do início da fase de demência via tratamento com drogas.
A família colombiana é considerada ideal para os testes de tratamento preventivo, porque os cientistas podem descobrir quais membros irão desenvolver o mal e aproximadamente quando. As pessoas que contraem a doença possuem uma mutação genética que causa a perda de memória na idade de 40 a 45 anos e, muitas vezes, a perda da maior parte das funções cognitivas aos 50 e poucos anos.
NYT
A previsão é de que a pesquisa inicie apenas em 2012 porque os pesquisadores solicitaram financiamento ao governo federal e ainda não decidiram qual medicamento será testado. O teste será realizado em Antioquia, região onde vive a maior parte da família, que inclui Medellín e diversos povoados isolados das montanhas. Contudo, 12 dos parentes visitaram o instituto no mês passado, o que permitiu a realização de tomografias por emissão de pósitrons (PET) para verificar se o cérebro deles possuía placas de amiloides, estruturas cerebrais anormais que precedem o início dos sintomas. Até o final do ano, 50 membros da família terão realizado o exame, sendo que alguns já contraíram a doença, outros possuem a mutação e irão contrair a doença e alguns deles não possuem a mutação e não sofrerão com a doença.
Os instantâneos fotográficos da placa amiloide dos membros da família 'com ou sem o gene’ e 'com ou sem os sintomas’ ajudarão a concentrar o foco das pesquisas do medicamento para que os pesquisadores possam afirmar com mais precisão se ele está combatendo a doença, afirma o doutor Eric Reiman, diretor executivo do Instituto Banner.
''Nós precisamos descobrir quando essas placas se acumulam e qual o grau de avanço delas no momento em que o paciente inicia o teste de prevenção’', afirma Reiman. ''Essas informações serão a base para se descobrir qual o grau de alteração no cérebro no momento em que as pessoas com a idade dos voluntários irão se apresentar para o teste’', afirma.
A pesquisa do medicamento experimentará um tratamento que ataca a placa.
NYT
Provavelmente será um medicamento que já foi testado sem sucesso em pessoas com os sintomas da doença. Atualmente, muitos cientistas acreditam que o fracasso dos medicamentos se deve ao fato de que, quando os sintomas iniciam, o cérebro já está bastante danificado.
Os planos do projeto são, inicialmente, fornecer o medicamento a cem membros da família com a mutação, com o placebo será fornecido a outros cem outros membros portadores da mutação e a para o mesmo número de não portadores.
Eles não serão informados se possuem ou não a mutação, nem se estão recebendo o medicamento ou o placebo.
A situação da família Betancur é particularmente difícil porque Blanca casou-se com Carlos Alberto Villegas, seu primo distante, e a mutação existe nos dois lados da família. A mãe dela morava com eles, morrendo no ano passado de Alzheimer, e uma irmã com sintomas precoces agora também mora com eles. Villegas, 54 anos, costumava ser um negociante de animais cheio de vida. Ele possui Alzheimer e a doença vem progredindo com tamanha rapidez que no último ano ele perdeu por completo a capacidade de falar e de andar. ''Isso é bastante difícil psicologicamente’', afirma a sua irmã Natalia Agudelo, 24 anos, que também viajou a Phoenix.
''Após terem perdido a memória, o que resta são seus instintos animais’', afirmou ela, acrescentando que seu pai ainda consegue mastigar e realizar alguns movimentos instintivos. ''Nós estaremos presentes até o último momento dele e veremos o que mais é possível ser feito para ajudar e para amar’', afirma.
Natalia, o irmão e irmã mais novos podem ter herdado a mutação do pai ou, caso a mãe seja uma portadora, dos dois. Por isso, ela decidiu não ter filhos.
''Eu adoro bebês e seria muito feliz se tivesse filhos, mas ter um filho significa mais do que 'o encanto inicial’, afirma. ''Precisamos ser realistas e reconhecer que essa doença é muito difícil. Em Medellín, as pessoas dizem para 'não sair por ai espalhando o Alzheimer’'', afirma.
Em Phoenix, eles se reuniram com o irmão mais velho dos Betancur, William, de 50 anos, e a irmã de Blanca, Estela, de 46 anos, ambos com os sintomas.
William deixou o emprego de motorista de ônibus porque não conseguia se lembrar das paradas. Ele sabe que está perdendo a razão. E está tão animado em relação à pesquisa que, ao ser perguntado sobre em qual dos braços preferia que o medicamento fosse injetado, ele afirmou, ''em qualquer lugar! Com o William, vocês não têm problema algum!'' Porém, a doença o deixa frustrado, nervoso e ''triste em pensar que meus filhos irão um dia contrair a doença’', afirmou William, que realizou uma vasectomia após o nascimento do terceiro filho por causa desse risco. ''Seria preferível não ter netos. Ou apenas alguns poucos’'.
Quando a família foi retirar o passaporte para a viagem, William ficou perdido durante uma hora no prédio do governo. Ele não se lembra da grande celebração que a família realizou em maio para seu aniversário de 50 anos.
Quando perguntamos a sua idade, ele afirma ainda ter 49 anos.
''Qual a razão de realizar atos como esse se ele nem se lembra?'', afirmou sua esposa, Elida Castrillón. ''Porque ele sente nosso amor’', afirmou Natalia.
Estela afirmou que não foi informada sobre possuir a doença, mas acredita que sim, ''porque comecei a me esquecer das coisas’'.
Ela chora com frequência e se sente sozinha porque seu marido está alheio e sua filha, ocupada com o trabalho e a escola. Ela espera que os pesquisadores encontrem a cura a tempo de ajudá-la.
Atualmente, ela está na metade de um livro chamado 'A Pesar de Todo, Que Linda Es La Vida’.
The New York Times News Service/Syndicate - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
Joshua Lott/The New York Times