Prefeituras de várias partes do mundo ganham destaque por terem dado saltos de qualidade na gestão pública. Há exemplos de México, Colômbia, Coreia do Sul e Malásia — mas nenhum do Brasil
Verena Fornetti, de
ROSLAN RAHMAN/AFP Photo
Singapura: a cidade tem um time de servidores dedicados à solução de problemas
Nem todo mundo se deu conta. Mas um marco foi ultrapassado em 2008: a partir dessa data, pela primeira vez, mais de metade da população mundial passou a viver em
cidades. Não surpreende, portanto, que o tema urbano ocupe atualmente o topo da agenda global.
Especialistas do mundo inteiro discutem como resolver os problemas de nossas cidades — e parece consenso que isso somente será possível com um salto de qualidade na administração pública.
“As pessoas e as empresas estão vivendo a era da informação, mas o governo ainda não. A última reestruturação na administração pública aconteceu na era da TV em preto e branco”, disse recentemente o presidente americano,
Barack Obama — uma mensagem semelhante à emitida pelas multidões que saíram às ruas no Brasil no ano passado.
Obama não tem lá muita moral para falar sobre gestão pública — não há notícia de grandes avanços em seu
governo. Mas é nas próprias cidades que as inovações mais interessantes parecem estar ocorrendo.
A Bloomberg Philanthropies, órgão criado pelo bilionário
Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, e a Fundação Nacional para a Ciência, Tecnologia e Artes, organização britânica independente, acabam de eleger as 20 equipes de servidores públicos municipais consideradas referência em
inovação governamental.
Os grupos trabalham em cidades espalhadas geograficamente e também com diferentes estágios de
desenvolvimento. Estão lá lugares como
Nova York,
Cidade do México,
Bogotá, Estocolmo,
Barcelona,
Seul e
Singapura (entre as 20 não há nenhuma cidade brasileira).
“Há muito tempo se discute inovação no setor privado, mas só recentemente os governos começaram a criar equipes dedicadas a isso”, diz Ruth Puttick, pesquisadora-chefe da Fundação Nacional para a Ciência, Tecnologia e Artes.
Um dos pontos fortes do ranking é não alimentar a ilusão de que a tecnologia por si só vá resolver os problemas da
gestão pública. Para entrar na lista era preciso ter definição clara de objetivos, profissionais preparados, parcerias com o setor privado, transparência e controle de resultados (algo raro por aqui).
Em Singapura foi formada uma equipe de elite de servidores que tinha como uma das metas diminuir a pressão sobre o sistema público de saúde.
Depois de analisar os dados sobre internações mantidos por todos os hospitais, o grupo identificou 400 pacientes com histórico de três ou mais internações nos seis meses anteriores e destacou médicos e enfermeiros para tratar dessas pessoas em domicílio. Nos seis meses seguintes, esses pacientes foram hospitalizados, em média, apenas uma vez.
Com isso, 9 000 diárias em hospitais foram poupadas. “Estamos combinando vontade política com tecnologia e gestão pública”, diz Steve Leonard, vice-presidente da Autoridade de Desenvolvimento de Singapura, órgão do governo local.
Em Barcelona, um escritório da prefeitura escolhe companhias para testar projetos inovadores em espaços públicos. Até agora, 12 empresas implementaram dez ideias numa antiga área industrial. Quatro dos projetos envolvem a instalação de sensores. Eles foram acoplados a lixeiras, postes de iluminação pública, semáforos e vagas de estacionamento.
Andrew Burton/Getty Images
Michael Bloomberg: o foco do ex-prefeito de Nova York são as cidades
As lixeiras “avisam” a prefeitura quando os resíduos ocupam 70% da capacidade e, assim, reduzem a frequência da coleta.
Os postes medem a umidade, a temperatura, a qualidade do ar e a poluição sonora.
Os semáforos coletam informações sobre o trânsito e permitem que a prefeitura tome decisões mais rápidas para gerenciar problemas.
Os sensores em vagas de estacionamento monitoram os lugares disponíveis e avisam os motoristas quais são as ruas onde é mais fácil estacionar.
Por causa do custo dessas soluções, a maior parte delas fica mesmo restrita a essa região da cidade, que agora é conhecida como o distrito da inovação.
Santander, também na Espanha, não entrou no ranking das 20 cidades escolhidas, mas se inspirou no exemplo de Barcelona. Com a ajuda de um financiamento da União Europeia, a prefeitura instalou 12 000 sensores em diversos locais.
Graças a esses aparelhos, é possível regular a intensidade da luminosidade nos postes de luz em razão do movimento de pessoas e carros. O mesmo projeto deve ser replicado em Belgrado, na Sérvia, e Lübeck, na Alemanha.
A hora da virada
No recém-lançado The Fourth Revolution: The Global Race to Reinvent the State (“A Quarta Revolução: a corrida global para reinventar o Estado”, numa tradução livre), John Micklethwait, editor-chefe da revista inglesa
The Economist, e Adrian Wooldridge, um colunista da revista, defendem que a conjuntura política é favorável a mudanças como essas.
“As pessoas estão menos tolerantes com o abismo que se formou entre a eficiência do setor público e a do privado”, diz Micklethwait. Enquanto a produtividade das empresas no Reino Unido cresceu 14% de 1999 a 2010, a do setor público caiu 1%. Nos últimos anos, muitos países se viram obrigados a cortar gastos, o que aumentou o escrutínio sobre como o dinheiro é empregado.
Nas próximas décadas, a pressão deve aumentar sobre os prefeitos. Segundo as Nações Unidas, em dez anos o mundo ganhará 100 municípios com 1 milhão de habitantes. Até 2050, 60% da população mundial viverá nas cidades. A boa notícia é que as prefeituras vão se beneficiar dos avanços tecnológicos, como mostra o exemplo de Barcelona.
“A administração pública e as cidades serão cada vez mais afetadas pela tendência de digitalização”, diz Carlos Ratti, diretor do laboratório Senseable City, dedicado aos estudos urbanos no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
A eletricidade levou 50 anos para chegar a metade dos lares americanos. O telefone, sete décadas. A internet conseguiu esse feito em uma década e hoje também está nas ruas por meio dos celulares.
Com tanta novidade a caminho, seria um enorme erro não preparar o funcionalismo para esse novo mundo. As inovações, afinal, exigirão uma capacidade de gestão muito maior. Não custa lembrar: a outra metade da população mundial está ávida para migrar para as cidades.