03/17/13

"Advogado, dono de fazenda, cabeças de gado e de um corpão. Muito carinhoso!" É assim que o estudante de direito Rodolfo Abbud, 20, é descrito em um site. Pareceria autopromoção, não fosse por um detalhe: o texto não é dele.

Circulando pelas redes sociais desde terça-feira (12), o site "Recomende Um Ex" (recomendeumex.tumblr.com) nasceu de uma missão quase altruísta: recomendar ex-namorados, rolos e afins queridos, mas com quem, por um motivo ou outro, o relacionamento não deu certo.

A atitude é a "chance de transformar a culpa ou o remorso daquele pé na bunda em felicidade", como dizem seus idealizadores, os publicitários Carla Cortegoso, 26, Caio Andrade, 25, e Lucas Ohara, 21, que negam a pretensão de promover a agência para a qual trabalham.

"É só a vontade de fazer algo bacana pelas pessoas", afirma Carla, que, para dar o pontapé inicial, indicou o ex-namorado, com quem não fala há cerca de dois anos. "Às vezes, o que não deu certo para você pode funcionar com outra pessoa."

Nos primeiros três dias de atividade, o site recebeu mais de 200 indicações e ameaçou 1.000 seguidores.

Joel Silva/Folhapress

Estudante de direito Rodolfo Abbud, 20, só soube que foi parar no site após receber centenas de mensagens no Facebook

Para o psicólogo especialista em relacionamentos e professor da USP Aílton Amélio da Silva, não basta ter boas intenções. "Acho que a pior coisa é ser indicado por alguém que não te quis mais. Parece um ISO 9000 [certificação de qualidade] ao contrário."

Abbud, "dono de fazenda, cabeças de gado e de um corpão", só soube que foi parar no site após receber centenas de mensagens e solicitações de amizade no Facebook. "Estranhei quando, do nada, um monte de mulheres veio me adicionar. Perguntei para uma delas de onde eu a conhecia e só aí fiquei sabendo do que se tratava."

Ele diz ter levado com humor. "Mas não acho muito legal ter a imagem divulgada assim, pode ser desconfortável para algumas pessoas." Os coordenadores prometem retirar o nome de quem pedir.

A estudante de moda Coraline Sabourin, 23, e o publicitário Danilo Romeiro, 26, não veem problema em terem seus perfis divulgados no site. Outrora namorados, descobriram-se bons amigos há três anos. "Falei para ele que ia recomendá-lo, e ele fez o mesmo", diz Coraline.

Os dois riem das circunstâncias. "Me chamaram para 'comer uns churrasquinhos e dar uns beijinhos'", diverte-se a estudante, que diz não estar levando as investidas dos homens muito a sério. Romeiro, enquanto isso, está de conversa com quatro garotas.

A estudante de administração Tatiana Ikeda, 20, ainda não foi parar no site, mas é simpática à ideia. "É como uma carta de recomendação. Para você passar muito tempo com alguém, tem que ser uma pessoa de caráter."

Mas faz uma ressalva: não gostaria que a recomendação partisse do último ex-namorado. "A indicação de qualquer outro faria com que eu me sentisse honrada. Mas, se viesse dele, eu não sei se ficaria feliz ou se me sentiria rejeitada", afirmou.

Edson Lopes Jr./Folhapress

Lucas Ohara (à esquerda), Carla Cortegoso (na tela do computador) e Lucas Caio Andrade, criadores do site "Recomende Um Ex"

No coração dos conflitos, centrados na periferia, estão grupos que controlam diferentes áreas da cidade: a "Okaida", nome inspirado na rede terrorista Al Qaeda, e os "EUA", inimigos da Okaida.

Nessa disputa batizada pelo principal conflito mundial deste século, a história se resume à luta pelo comando do tráfico ou de presídios, diz a polícia. Mas moradores da periferia relatam que o problema é mais profundo e se nutre da rivalidade entre bairros.

Sob ameaça de morte, jovens são proibidos de frequentar espaços visados por jovens de áreas rivais, ainda que não tenham ligação com o crime. Pichações das gangues marcam cenas de homicídios.

A briga entre torcidas organizadas também estimula a violência, dizem moradores. Apesar de torcerem para o mesmo time, o Botafogo-PB, a Torcida Jovem da Paraíba e a Fúria Independente são de bairros rivais, e mobilizam centenas de jovens.

Para a polícia, o ódio entre bairros é fomentado por traficantes para forçar jovens vulneráveis a entrar nas facções. "Perguntamos o por quê do encantamento com facções e o próprio jovem não sabe dizer", diz Andrezza Gomes, 22, da Pastoral do Menor.

MORTES DE NEGROS

João Pessoa registrou 518 mortes violentas em 2012. Para a Polícia Civil, metade está ligada ao tráfico e à disputa entre os grupos.

O Mapa da Violência 2012, que computa homicídios de 2010 registrados pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mostra que, para cada homicídio de branco, 29 negros são mortos na cidade.

É a capital com a maior taxa de homicídios de negros do país: 140,7 por 100 mil negros. A taxa nacional é quatro vezes menor, 36.

O estudo considera negro a somatória de quem se declara preto e pardo ao IBGE.

O governo do Estado reconhece que os números apontam uma tendência, mas diz que pode haver diferença entre dados do IBGE, em que o entrevistado declara sua cor, e os do SUS, em que o médico atesta a cor da vítima.

Para o historiador e militante negro Danilo da Silva, a Paraíba vive um "genocídio" da população negra.

Não se trata, porém, de um confronto armado entre raças, mas de enfrentamento entre os próprios moradores da periferia da capital. Silva aponta a "omissão do Estado na periferia", que não se empenharia para resolver os crimes, como o componente que permite essa situação.

"É como se o envolvimento no tráfico justificasse tudo: morreu, foi coisa boa. Mas nem todos estão envolvidos." Estudante, pedreiro, capoeirista e negro, Edjackson da Silva Ferreira, 17, foi morto no último dia 20 no condomínio onde vivia com a mãe, no bairro do Valentina, um dos mais violentos da capital.

Moradores do condomínio rival invadiram o local e atiraram em Ferreira apenas para "não perder a viagem", porque não encontraram seus alvos, dizem pessoas próximas.

"Ele não era do tráfico", afirma o professor de capoeira João Paulo Pereira, 28. Desde então, tiros entre os condomínios são quase diários. Até semana passada, ninguém havia sido preso.

Editoria de Arte/Folhapress


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