Estariam ultrapassadas as premiações por gênero de Hollywood?
- Já pensou em Daniel Day-Lewis (embaixo, à esq), de "Lincoln", concorrendo ao Oscar de melhor ator com Jessica Chastain (em cima, segunda da esq para a dir.), de "Na Hora Mais Escura"
Será que Meryl Streep, Anne Hathaway e Helen Mirren realmente precisam de uma categoria apenas para mulheres –um tipo singular de ação afirmativa– para conquistar um dos acessórios favoritos de Hollywood, um Oscar, um Emmy ou um troféu do Sindicato dos Atores?
Em uma sociedade que se inclina constantemente para a neutralidade de gênero, os prêmios "separados mais iguais" que dividem os atores em um campo e as atrizes em outro têm um cheiro de anacronismo mofado.
É verdade, a Associação para Mulheres na Ciência dá prêmios para encorajar o sucesso das mulheres em campos dominados pelo homem. Mas para marcar feitos duradouros, será que seus membros pensariam em um Prêmio Nobel de Física das Mulheres?
Em disputas de intelecto ou arte, será que gênero importa?
"Não envolve força da parte superior do corpo", observou secamente Gloria Steinem sobre as exigências para representar.
A separação de atores e atrizes está perdendo espaço na indústria. As atrizes frequentemente afastam a distinção ao chamarem a si mesmas de "atores", permanecendo ombro a ombro com seus pares masculinos.
Afinal, as recepcionistas há muito deixaram de existir nos salas de espera dos cinemas. E as autoridades de Defesa disseram recentemente que o Pentágono eliminará a proibição de mulheres em combate.
Há muita concorrência na vida e eu acho que somos diferentes... As mulheres certamente estão em desvantagem quando se trata de volume.
O Sindicato dos Atores pende para a neutralidade com seu troféu chamado o Ator, apesar de separar as honras de melhor interpretação por um ator masculino e um ator feminino.
Isso abre a porta, mas apenas levemente. Escancarem a porta para que a interpretação majestosa de Daniel Day-Lewis em "Lincoln" e a acerada de Jessica Chastain em "Na Hora Mais Escura" disputem o grande prêmio!
"É uma ótima ideia", disse Mark Andrews, o roteirista-diretor do desenho animado "Valente". "No final, todos nós somos contadores de histórias e eu não acho que, quando definimos um personagem, o gênero seja um grande fator definidor."
Em todos os outros campos premiáveis, incluindo direção, roteiro ou fotografia, todo mundo, homens e mulheres, o disputam, disse Andrews.
Isso poderia ser um progresso na teoria para os intérpretes, mas não na prática, segundo Sally Field, indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante por "Lincoln". "Se fizerem isso, não haverá mais atrizes lá (no palco)", ela disse. O percentual de papéis é muito maior para os atores. Sempre foi assim."
Naomi Watts, a indicada ao Oscar de melhor atriz por "O Impossível", concorda. "Há muita concorrência na vida e eu acho que somos diferentes", ela disse. "Sim, nós devemos ter as mesmas coisas o máximo possível (...) (mas) a vida já é uma batalha e há muitos bons papéis escritos para homens. As mulheres certamente estão em desvantagem quando se trata de volume."
A rapper Nicki Minaj, que está considerando lançar uma carreira de atriz, tem uma posição pragmática a respeito do assunto. "Você vê todas aquelas divas na plateia parecendo tão bonitas, e todas elas querem vencer umas às outras", ela disse. "É entretenimento."
Hathaway, na disputa do prêmio de atriz coadjuvante no Oscar por "Os Miseráveis", considera a divisão de gênero "uma questão incrível digna de um debate incrível". "Será que posso conceber um mundo onde representação seja um conceito sem gênero? Absolutamente. Se eu acho que acontecerá tão cedo? Não", ela disse.
Como Field apontou, o principal desafio é que as mulheres têm menos papéis de peso do que os homens. Ironicamente, isso é obscurecido pela paridade artificial no palco a cada ano, nos shows de premiação. Cinco mulheres disputam, cinco homens disputam, dois vencedores são coroados.
Será que posso conceber um mundo onde representação seja um conceito sem gênero? Absolutamente. Se eu acho que acontecerá tão cedo? Não.
Então, qual é o problema? Uma checagem rápida dos números deixa claro: as mulheres corresponderam a um terço dos personagens nas 100 maiores bilheterias em 2011, segundo o Centro para o Estudo das Mulheres na Televisão e no Cinema, da Universidade Estadual de San Diego, na Califórnia.
Isso, apesar das mulheres corresponderem a mais da metade da população americana e, segundo a pesquisa anterior do centro, o resultado não é uma anomalia.
Nesse contexto, a líder feminista Steinem vê uma razão legítima para a manutenção dos prêmios de representação separados. Quando dois grupos desiguais são combinados, é o menos poderoso que perde, ela disse, assim como a dessegregação nas escolas americanas no século 20 levou a demissões em massa de diretores e administradores negros.
Tom O’Neil, editor do site de previsão de premiações "Gold Derby", disse que forças poderosas estão posicionadas contra quaisquer mudanças em Hollywood. Os shows de premiação tentam rotineiramente adicionar categorias movidas por celebridades, não eliminá-las, para aumentar o quociente de "glamour" do show, ele disse, assim como para mascarar o tratamento desigual da indústria às mulheres. "É criminoso", concluiu sem rodeios.
Nos bastidores das categorias de cinema e TV nas quais os sexos competem, as mulheres raramente sobem ao palco nas cerimônias de premiação. O Oscar começou em 1929, mas foi apenas em 2010 que a primeira mulher, Kathryn Bigelow, foi premiada como melhor diretora (por "Guerra ao Terror"). As estatísticas novamente deixam as coisas claras: as mulheres foram responsáveis por magros 9% dos diretores das maiores bilheterias de 2012, apontou um novo estudo da Universidade Estadual de San Diego.
Vamos dar a Sally Field, ganhadora do Oscar em duas ocasiões, a palavra final no debate. As atrizes "devem estar em uma categoria a parte porque elas SÃO uma categoria a parte", ela disse. "Elas enfrentam dificuldades próprias específicas para sobreviver neste negócio que os atores, que sejam abençoados, não enfrentam."
* (Sandy Cohen e Anthony McCartney, redatores de entretenimento da "AP", contribuíram com reportagem)
Tradutor: George El Khouri Andolfato